
O impacto do câncer vai muito além do diagnóstico e do tratamento da doença. Para muitos pacientes, a possibilidade de perda da fertilidade representa uma angústia adicional e um luto antecipado por planos futuros. Por isso, o papel dos profissionais da saúde em orientar e apoiar a preservação da fertilidade é fundamental.
Neste artigo, reunimos um roteiro prático com as principais informações que médicos, enfermeiros e equipes multidisciplinares precisam saber para abordar o tema com segurança, sensibilidade e responsabilidade.
Por que falar sobre preservação da fertilidade no câncer?
Alguns tratamentos oncológicos — como quimioterapia, radioterapia e cirurgias — podem afetar a fertilidade feminina e masculina de maneira temporária ou permanente.
O risco de infertilidade varia conforme:
- Idade do paciente
- Tipo de câncer
- Protocolos terapêuticos escolhidos
- Estado de saúde geral prévio
- Urgência para início do tratamento
Discutir a fertilidade de forma precoce é fundamental para que os pacientes possam tomar decisões informadas e manter abertas as possibilidades de construir uma família no futuro.
Alternativas para preservação da fertilidade
As opções disponíveis diferem conforme o sexo, a idade e as condições clínicas do paciente:
Para homens:
- Congelamento de sêmen: Procedimento padrão, simples e eficaz. A coleta pode ser feita por ejaculação ou, em casos de dificuldade, por punção de epidídimo ou testicular.
Para mulheres:
- Congelamento de óvulos: Exige estimulação ovariana e coleta dos óvulos em 2 a 3 semanas.
- Congelamento de embriões: Alternativa em casos em que a paciente tem parceiro ou deseja utilizar espermatozoides de doador.
- Congelamento de tecido ovariano: Indicado para meninas ou mulheres que não podem esperar pelo ciclo de estimulação ovariana.
- Transposição ovariana: Técnica cirúrgica que reposiciona os ovários para fora do campo da radiação pélvica.
Para crianças pré-púberes:
- Meninas: Congelamento de tecido ovariano é a principal estratégia.
- Meninos: O congelamento de tecido testicular ainda é considerado experimental, mas está em fase avançada de estudo.
Importante: Pacientes com desejo reprodutivo declarado ou incertezas sobre sua fertilidade futura devem ser encaminhados precocemente para avaliação com especialista em reprodução humana.
Tempo: Um fator importante
A preservação da fertilidade deve ser planejada com agilidade, já que o tratamento oncológico não pode ser postergado desnecessariamente.
- Para homens, o congelamento de sêmen pode ser concluído em poucos dias, com coletas realizadas a cada 24 horas.
- Para mulheres, técnicas que envolvem estimulação ovariana podem demorar entre 2 e 3 semanas. Existem protocolos de estimulação de início aleatório que podem acelerar o processo em situações de maior urgência.
O encaminhamento rápido para o especialista em reprodução é essencial para garantir que as opções de preservação sejam viáveis.
Custos e acesso aos serviços
No Brasil, o acesso à preservação da fertilidade enfrenta algumas barreiras:
- SUS: Serviços públicos de reprodução assistida existem, mas possuem filas de espera extensas.
- Saúde suplementar: Em geral, os planos de saúde não cobrem procedimentos de reprodução assistida para preservação da fertilidade oncológica.
- Rede privada: Pacientes devem receber orçamentos detalhados que contemplem consultas, exames, medicações, procedimentos e taxas de congelamento.
Abordar o tema custos de forma transparente é parte fundamental do suporte ao paciente nesse processo.
Gravidez após o câncer: o que sabemos hoje?
Embora os dados ainda sejam limitados, estudos indicam que:
- Não há aumento significativo no risco de recorrência do câncer associado à gravidez após preservação da fertilidade.
- Não existe risco de transmissão do câncer ao feto em gestações provenientes de óvulos, espermatozoides ou embriões congelados durante o tratamento da doença.
- O histórico de câncer ou preservação da fertilidade não aumenta o risco de câncer no bebê, exceto em casos de síndromes hereditárias específicas.
Essas informações devem ser compartilhadas com os pacientes para reduzir medos infundados e fortalecer a confiança nas decisões tomadas.
Informação é parte do cuidado oncológico
Abordar a preservação da fertilidade no câncer é mais do que uma preocupação médica — é um ato de respeito à dignidade, aos sonhos e ao futuro dos pacientes.
Profissionais da saúde têm um papel estratégico:
Informar de maneira acessível e sem julgamentos
Encaminhar rapidamente para especialistas em reprodução humana
Apoiar o paciente em todas as fases da decisão
Cada conversa, cada orientação faz diferença para que os pacientes possam enfrentar o câncer sem abrir mão da esperança de construir uma família.
Preservar vidas também é preservar possibilidades.